Introdução
O mercado jurídico está em constante evolução, e o aprimoramento técnico e tecnológico tornou-se um componente essencial para o dia a dia do advogado moderno. No cenário atual, a adoção de ferramentas tecnológicas deixou de ser um diferencial competitivo para se tornar uma necessidade fundamental para o exercício eficaz da advocacia.
O Desafio dos Big Data no Direito: Lições do STF
O julgamento da Ação Penal 2668 no Supremo Tribunal Federal expôs um desafio que se tornou cotidiano na advocacia moderna: o volume massivo de dados que podem ser gerados durante um processo jurídico. Este caso, relacionado à tentativa de golpe de Estado, ilustra perfeitamente os desafios que os advogados enfrentam na era digital.
Na sessão de 3 de setembro de 2025, a defesa do General Augusto Heleno, representada pelo advogado Matheus Mayer Milanez, afirmou que o acervo disponibilizado alcança "70 a 80 terabytes", questionando como se poderia analisar tal massa de dados em prazo útil. A defesa pediu a absolvição do ex-chefe do GSI, alegando nulidade de provas e contestando o material produzido pela Polícia Federal que embasou a denúncia da Procuradoria-Geral da República.
"A defesa recebeu, às vésperas do depoimento, arquivos compactados com dezenas de terabytes, o que teria dificultado o acesso às informações", destacou o advogado, que reclamou principalmente da quantidade desordenada de documentos apresentados. Registrou-se também a crítica ao "excesso de documentos" apresentados "de forma desordenada", com menção a um único arquivo de 125 GB e ao total superior a 20 TB compactados — que, descompactados, ultrapassariam 70 TB.
Esses números não são meros detalhes: representam a distância entre o prazo processual e a realidade material da prova, mesmo na cúpula do Judiciário, em julgamento transmitido e acompanhado publicamente.
A Desigualdade de Armas no Sistema Jurídico
Se escritórios de destaque nacional, atuando na mais elevada cúpula do Judiciário, enfrentam dificuldades para processar grandes volumes de informação, imagine a situação dos escritórios do interior e de pequenas capitais. Esse problema é ainda mais pronunciado em escritórios de advocacia menores e em cidades menores, onde os recursos podem ser mais limitados.
A disparidade é evidente quando consideramos a desigualdade de condições entre a advocacia e órgãos como o Ministério Público. Enquanto estes últimos dispõem de prazos maiores — ou até mesmo ilimitados — para investigar e produzir provas, o advogado frequentemente recebe apenas 30 dias para contestar uma ação de improbidade administrativa, baseada em investigações que podem ter durado anos.
Em áreas como o direito eleitoral, prazos são curtos e muitas vezes o advogado se vê diante de milhares de páginas de documentos, relatórios, áudio e vídeo para analisar, compreender e rebater de forma precisa. Não é raro enfrentar processos com mais de 11 mil páginas de provas — algo impossível de ser examinado manualmente em tempo hábil.
A Lição Tradicional: Forma, Cadeia e Índice
A advocacia sempre valorizou três pilares clássicos que permanecem fundamentais na era digital:
Forma: documentos íntegros, padronizados, com metadados preservados e registros fidedignos.
Cadeia (de custódia): trilha verificável do que foi recebido, processado e produzido, com hash (ex.: SHA-256) e registros de acesso.
Índice: catálogo que permita localizar e relacionar rapidamente pessoas, fatos, datas, versões e peças.
Quando o acervo se torna massivo (dezenas de terabytes), esses três elementos deixam de ser conveniência e voltam a ser condição de possibilidade do contraditório.
Ferramentas Tecnológicas Essenciais para a Advocacia Moderna
Diante desse cenário, investir em tecnologia deixou de ser opcional para se tornar estratégico. Sem prescrever marcas ou "novidades", a prática forense de alto nível, hoje, se apoia em frentes tecnológicas bem estabelecidas — continuidade dos hábitos tradicionais em novas escalas:
1. Gestão Documental Séria
Repositório versionado, conversão para PDF/A, OCR com controle de erro, extração de metadados e controle de duplicatas. O objetivo é simples e antigo: garantir legibilidade, autenticidade e busca.
2. Indexação e Pesquisa Jurídica em Larga Escala
Indexadores que suportem consultas booleanas, filtros por partes, datas, tipos de anexo e trechos extraídos. É o "índice" clássico, agora sobre milhões de páginas.
3. Revisão Assistida por Tecnologia (TAR)
Priorização de documentos por relevância para reduzir tempo de leitura humana sem abandonar o crivo técnico. A decisão permanece do advogado; a triagem é que ganha cadência.
4. Cronologias e Grafos Probatórios
Linha do tempo e mapeamento de relações (pessoas, eventos, documentos). Trata-se do velho quadro de investigação — só que navegável e auditável.
5. Tratamento de Mídias
Extração forense de áudio/vídeo, transcrição preservando timecodes, geração de hash e relatórios de integridade. Sem isso, contestar ou sustentar uma mídia vira aposta, não prova.
6. Infraestrutura para Prazos Exíguos
Capacidade de processamento local/servidor para OCR, transcrição e buscas simultâneas, com logs, controle de acesso e backup. É o cartório interno do escritório, elevado ao século XXI.
7. Rastreabilidade do Trabalho
Relatórios de diligência com metodologia, amostragem, critérios de inclusão/exclusão e anexos técnicos. O que se fez, quando, como e por quê — para o juiz hoje e para a história amanhã.
8. Ferramentas de Visual Law
Facilitam a compreensão de documentos complexos tanto para advogados quanto para clientes e magistrados.
9. Plataformas de Workflow e Automação
Reduzem o tempo gasto em processos internos e liberam o advogado para tarefas de maior valor intelectual.
A Nova Advocacia: Técnica, Rigor e Profissionalismo
A análise documental e de dados deve ser realizada de forma criteriosa e sistemática. Não basta mais apenas apresentar contrapontos baseados em argumentos jurídicos tradicionais; é necessário contestar provas de forma rigorosa, técnica e altamente profissional.
O advogado moderno precisa dominar ferramentas que permitam:
- Análise rápida de grandes volumes de informação
- Identificação de padrões e inconsistências em dados complexos
- Produção de relatórios técnicos baseados em evidências
- Visualização clara de informações para apresentação em juízo
Quem milita em eleitoral conhece a urgência: alegações finais com prazos estreitos, diante de conjuntos probatórios extensos. Em improbidade, por vezes a defesa enfrenta trinta dias para impugnar investigações de anos. A paridade de armas não se alcança com retórica, mas com método verificável e registro técnico: a boa e velha diligência — agora quantificada.
Conclusão: O Futuro é Agora
A tradição da advocacia nunca foi improviso. Foi — e continua sendo — organização, prova e tempo. Na era dos terabytes, o que sempre funcionou permanece correto: forma rigorosa, cadeia íntegra e índice preciso. A diferença é a escala. E escala, no processo, não perdoa.
A transformação digital do Direito não é uma tendência futura – é uma realidade presente que exige adaptação imediata. Os profissionais que investirem em capacitação tecnológica e nas ferramentas adequadas estarão preparados para os desafios crescentes da advocacia contemporânea.
Em um cenário onde a velocidade de processamento de informações pode determinar o sucesso de uma defesa, a tecnologia deixa de ser um luxo para se tornar uma necessidade fundamental. As ferramentas tecnológicas não substituem a expertise jurídica, mas potencializam o trabalho, promovendo justiça mais eficiente e, principalmente, condições mais equilibradas para todos os profissionais do direito.
A advocacia do futuro será caracterizada não apenas pelo conhecimento jurídico, mas pela capacidade de aliar expertise legal à eficiência tecnológica — criando uma prática profissional mais precisa, ágil e eficaz.
Referências
– Cobertura oficial do andamento e sessões da AP 2668 (STF News)
– Declarações da defesa de Augusto Heleno sobre tamanho e organização do acervo (InfoMoney; Exame)